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O amor, o prefeito e minha cidade

Atualizado: 9 de jan.


Foto: Leandro Morais

O povo tem vergonha de se declarar em praça pública. O povo tem vergonha de amar. Foi o que sempre ouvi por aí, nos sete cantos da cidade.


Todas as instituições públicas têm um espaço aberto para o povo se declarar, manifestar todo seu amor guardado no peito. Antes que um purista do ramo do direito vasculhe minha crônica e aponte ausência de elegância de sentido, afirmo que esse canal existe. Digo mais, esse lugar é garantido por lei. Eu mesmo já usei uma vez. Há um bom tempo. Os jornais não souberam, meus melhores amigos também não. Talvez a minha declaração se perdeu na caixa de spam do e-mail do destinatário.


Esses pensamentos vieram à tona esta semana quando estava no Parque da Cidade de Porto Velho e um acontecimento me fez recordar momentos desta estória.


Sobre os fatos, na época, a polícia foi acionada por causa do roubo do meu carro. A agilidade, a prestação de serviço dos agentes públicos foi tão eficiente que em poucos minutos tudo foi resolvido. Digo, bem material recuperado, sem maiores prejuízos.


Dias depois daquele episódio comecei a pensar a respeito, como eu poderia agradecer a prestação do serviço público. Lembrei-me que existe um local físico e online para manifestação de sugestões, elogios ou dúvidas. Contudo, é mais utilizado para expor reclamações e descontentamentos.


Antes do surgimento da internet, o jeito de fazer essas coisas eram diferentes.  Porque esse tipo de manifestação era colocado numa caixa ou baú de sugestões, onde o povo escrevia uma pequena carta de amor ou apenas carta e depositava numa caixinha. Essa era a maneira mais comum do povo declarar seu amor para uma instituição pública.


(...) Eu sei que prometi pra vocês que iria falar sobre o amor, o prefeito e minha cidade, então aguentem firmes porque agora os atores principais entrarão em cena.


O amor e eu estávamos na praça de alimentação do shopping, próximo da fachada de vidro, e víamos uma multidão que ora se deslocava ao Parque da Cidade, ora retornava ao shopping. Nesse dia, o fluxo de pessoas na passarela que dá acesso ao shopping e ao parque estava bem intenso. Nós assistíamos ao “Natal Porto Luz” de camarote, no primeiro andar do shopping. Víamos as luzes do parque acesas, o mosaico de cores que clareava as árvores e estrelava as luzes no lago do parque.


Assim que terminamos o jantar, resolvemos também partir. Agora em terra firme - do lado de fora do shopping e de frente para a passarela -, era como uma fila para embarcar num avião. As pessoas tinham pressa e queriam entrar logo no parque.


Ao entrar pela lateral do parque avistei uma árvore de Natal, de aproximadamente 40 metros de altura, que encantava o público presente. Era outra aventura para conseguir entrar, não mais no parque, mas dentro da árvore. Observei que não tinha distribuição de senha, e o povo festivamente se organizava para entrar nesse universo brilhoso.


Em outros cômodos do parque havia várias passarelas cobertas com luzes amarelas, cromadas, rosas e azuis. Na parte mais elevada do parque estava à Casa do Papai Noel e o espaço de neve com luzes de natal.


Mas uma coisa me deixou boquiaberto: uma fila quilométrica, a maior de todas, que dava uma volta completa dentro do parque. É claro, não somos tão curiosos assim a ponto de não procurar saber o porquê, então chegamos mais perto do lugar para ver.


Nesse ponto do parque, próximo ao lago, havia um enfeite com luzes quentes em forma de coração de natal, o formato era de aproximadamente quatro metros de altura. Nesse lugar, as pessoas fotografavam, filmavam e se declaravam. Funcionava assim: entregavam o celular para outra pessoa, e quando abria a câmera, apertava o rec do vídeo, a pessoa se declarava para o Prefeito, dizia: “Obrigado, meu Prefeito”. Após terminar uma gravação, outra pessoa ia para trás do coração luminoso e se declarava: “Obrigado, meu Prefeito”.  Vi essa cena se repetir umas doze vezes. Depois perdi as contas, porque o amor e eu fomos para o fim da fila.


No momento em que a gente se deslocava para o final da fila, fiquei matutando. Será que o prefeito vai receber esses vídeos com declarações curtas e diretas? E aquela estória que o povo tem vergonha de se declarar em praça pública?


Enquanto não chegava a nossa vez, aproveitei para admirar o espetáculo das águas da fonte do lago. Aquele lago com água turva, por muito tempo menosprezado, agora tinha uma fonte luminosa que banhava sua pele e transformava a água do lago em multicolor. Isso acontecia por causa da interação das três fontes do lago.  


Em cada uma delas, havia um jato central que atingia aproximadamente 12 metros de altura e jatos em circunferências nas laterais que chegavam a uns 6 metros. Observei que as fontes tinham projetores de LED coloridos e isso rejuvenescia a beleza noturna do ambiente. Além das fontes luminosas, percebi que o parque estava com uma série de benfeitorias. Seria então o Novo Parque da Cidade?


Veio-me à memória um poema do livro “três” de Letícia Gomes, que diz “é preciso ter o olho calibrado em registrar belezas”. Olhei novamente para os desenhos que as águas da fonte formavam e me lembrei “Das margens de sentir”, outro poema da autora, que fala “os encantos fazem acrobacias no ar”. Meu Deus! Seria eu em estado de poesia? Vendo estrelas nas águas, os enfeites de natal e corações nas acrobacias das águas. Olhei para o amor e refleti sobre o que disse Manuel de Barros “é no ínfimo que se vê a exuberância”.


Depois de uns 30 minutos na fila, chegamos. Ela entregou o celular para uma pessoa tirar a foto. Ficamos atrás do coração de natal. Como dois peixinhos que sobem a superfície do rio e se beijam, nos bitocamos. Depois, retornarmos a posição de foto. Nesse instante, ouvimos alguém falar - “agora é vídeo”.


Aquela cena bonita de um filme de hollywood, em Porto Velho, estava acontecendo. Entreolhamos por um segundo e quando a gente ia se declarar (...) Acordei, às 2 horas da manhã, com um relâmpago que estremeceu minha casa toda. Bem de longe eu ouvia o escândalo do Nero, meu gato, com miados e mais miados, desesperado tentando entrar no quarto.


Fiquei pensando no final. Fiquei pensando nos gigantes bonecos de neve do parque. Na realidade, fiquei pensando em tudo. E após acalmar o Nero, voltei a dormir. Tentei voltar à última cena do filme. Queria tanto voltar a sonhar. Foi sonho? Ainda me lembro da gente abraçado dentro daquele universo brilhoso. Ainda lembro quando disse: porque tu, amada, és a composição semântica do luar.


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